O grande problema da humanidade, arrisco opinar, é que as pessoas simplesmente não se importam mais umas com as outras! Não percebemos, ao nosso redor, a solidão gravada em faces desesperançadas, de pessoas cansadas, que perderam a capacidade de sonhar. Não percebemos ao nosso lado os sinais de alerta, os pedidos de socorro, a falta de amor! Não percebemos (ou fingimos que não vemos, o que é a mesma coisa) a miséria, a fome e a necessidade estampada em cada esquina, em cada sinal de trânsito, em cada sarjeta. Não percebemos o nosso próximo. Vivemos em nosso próprio proveito. Almejamos nossos objetivos tão somente. Percorremos apenas a rota que traçamos para nós mesmos, e raramente a compartilhamos com outros peregrinos. As pessoas não se importam mais com as outras!
Mas o que isso tudo tem a ver com anjos da guarda? E afinal, eles existem ou não? Claro que existem! Os anjos da guarda somos nós mesmos, quando nos dispomos a ajudar o próximo sem pedir nada em troca. Sempre podemos ser o anjo da guarda de alguém e sempre podemos ter o nosso anjo da guarda. Não há aquele que um dia não possa precisar de ajuda! Exemplos? Há muitos no dia-a-dia! Aquele corredor que, vislumbrando a linha de chegada e prestes a conseguir uma posição inédita, pausa sua corrida para ajudar o outro corredor que, tomado de exaustão, caiu no chão. Ele é um anjo da guarda! Ele não está ganhando nada com isso! Nada concreto, digo! Ele não precisava, em tese, parar! Alguém da organização do evento iria ajudar em algum momento. Mas ele parou! Ele abriu mão de seu propósito naquele dia para ajudar outra pessoa!
Cada um de nós, se pensarmos um pouco, poderá dar exemplos de anjos da guarda que passaram por sua vida. Tenho certeza que já cruzamos com esses seres algumas vezes em nossa existência. Vou dar um exemplo pessoal (poderia dar muitos outros). Uma vez eu e minha esposa estávamos viajando para a patagônia argentina e houve uma violenta nevasca que paralisou aeroportos em todo o país. Nosso voo, que originalmente iria para Ushuaia, foi desviado para outra cidade nos confins do mundo, e chegamos no início da noite. Teríamos que dormir ali e tentar pegar um voo no outro dia, quando se esperava que o tempo tivesse melhorado e pudéssemos rumar para o nosso destino! Pois bem, por conta do problema, vários voos foram desviados para esta cidade, e os que estavam por lá ficaram presos e não puderam sair. A consequência é que nos avisaram logo no aeroporto que a cidade não tinha como nos hospedar: todos os hotéis, pousadas, albergues, etc, estavam lotados. Pior, o aeroporto era minúsculo e teríamos que passar toda a noite e madrugada e esperar até o dia seguinte lá, deitados no chão.
Enquanto eu e vários passageiros fomos brigar no balcão da companhia, desesperados pela situação, minha esposa encostou em um segurança que estava no canto, um sujeito de aspecto humilde, e perguntou se ele tinha como nos ajudar de alguma forma. O cara disse que a cidade não cabia de fato mais ninguém, mas que ele ia fazer uma tentativa. Então pegou seu telefone e ligou para um conhecido em uma cidade vizinha, que ficava a 60 km de lá. Conseguiu depois de algum tempo e mais um tanto de ligações descobrir que havia uma vaga em um determinado hotel que ficava na beira mar daquela província. Reservou o hotel para dois e, não satisfeito com isso, ligou para um taxista amigo dele e pediu para ele ir ao aeroporto. Quando este chegou, explicou que nós éramos amigos e que ele cobrasse uma corrida justa, nos levasse pra esta outra cidade e fosse nos pegar muito cedo da manhã e trouxesse para o aeroporto, para tentarmos pegar o voo. Deu ainda o celular pessoal dele para qualquer coisa que precisássemos. O que eu fiz, então, habitante de um planeta onde é raro se ajudar o outro pelo simples ato de ajudar? Saquei do bolso uma quantia considerável de dinheiro (principalmente para ele, que morava em um país cuja moeda era desvalorizada) e resolvi “pagar” a ajuda. O que ele fez? Segurou minha mão, disse que não aceitaria meu dinheiro, e me deu um abraço desejando boa sorte. Fiquei envergonhado e deixei ali meu anjo da guarda, com seu emprego simples, sabendo que nunca mais iria encontrá-lo novamente.
Fomos no táxi, chegamos em uma pequena cidade absurdamente congelante nos confins do mundo e fomos deixado em segurança em um hotel quentinho e acolhedor. No dia seguinte o taxista estava lá bem cedo e nos levou de volta ao aeroporto, onde conseguimos pegar um voo e seguir viagem. A moral da história é que naquele dia eu encontrei um dos meus anjos da guarda! Tive muitos outros durante a minha vida. Também espero ter sido anjo da guarda de algumas pessoas. Assim, encerro esta crônica afirmando que eles, os anjos da guarda, existem sim, na forma de cada um de nós, desde que nos proponhamos a isso. Desde que olhemos, vez em quando, ao nosso redor, e ofereçamos a mão a alguém sem esperar nada em troca.
Sérgio Idelano