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Um pequeno tratado sobre solidão

Há dias em que nos sentimos solitários. Pelo menos eu me sinto assim vez em quando. E isso independe da quantidade de pessoas que porventura esteja ao nosso redor. Solidão não é necessariamente inerente a isso. Muitos pensam, erroneamente, que a solidão é o ato de estar distante de outros seres humanos. Esta é uma simplificação, e uma simplificação errada! Podemos estar em uma multidão, ou cercado de pessoas, e nos sentir solitários. E podemos estar sozinhos e felizes. Podemos estar sozinhos e não estar solitários. Podemos estar em nossa ótima companhia, tomando um vinho e lendo um bom livro, ou mesmo pensando e meditando com nossos próprios botões. E isso é bom! Solidão não é isso! Solidão é uma coisa interna, da alma! Solidão é muito mais sentir-se só do que estar só. Quem melhor definiu solidão foi o grande escritor Saramago: “A solidão não é uma árvore no meio duma planície onde só ela esteja, é a distância entre a seiva profunda e a casca, entre a folha e a raiz”.

Tudo bem, então é isto. Mas o que fazer para não sentir solidão? Não quero dar receitas para curar a solidão de ninguém, até porque, como falei, eu mesmo passo por momentos assim! Mas ajuda muito estar ao lado das pessoas que amamos. E ajuda mais ainda gostar de nossa própria companhia. Quem gosta de si mesmo diminui exponencialmente os momentos de solidão! Mas mesmo assim vão acontecer esses momentos. Porque não é uma receita de bolo, porque não é uma coisa simples. Ao contrário, a solidão é complexa e tem vários motivos. Às vezes é o mero passar do tempo, a vertiginosa passagem das estações, a sensação de finitude. Estamos todos nós, se não morrermos jovens, nos encaminhando para a velhice. É um fato inescapável e incontornável! E não é fácil! Porque a velhice significa, também, saudade! Saudade do que passou, do que éramos capazes de fazer, das pessoas que estavam ao nosso lado, da juventude! Quanto mais vivemos, mais vamos nos enchendo de ausências. A velhice é, acima de tudo, ausência! E ausência não é uma coisa fácil! Temos que aprender a conviver com isso! Temos que aprender a conviver com a velhice! E conviver com a velhice nada mais é que aprender a conviver com a solidão. É seguir o conselho de Gabriel García Márquez, outro grande escritor, na primeira parte de sua biografia: “O segredo de uma velhice agradável consiste apenas na assinatura de um honroso pacto com a solidão”.

A respeito do que acabei de falar, quero abrir um parêntese e falar um pouco de uma música e de um grande cara. Ano passado Bruce Springsteen compôs uma música em homenagem a um grande amigo de infância que acabara de morrer de câncer. Quando soube da doença do amigo, ele largou sua turnê e viajou para Carolina do Norte, onde acompanhou os momentos finais do amigo, último membro vivo da banda The Castiles, primeira banda do artista e que se separou em 1968. A perda, segundo ele, despertou em si, às vésperas de completar 70 anos e pela primeira vez na vida, um forte sentimento de solidão, e escancarou a certeza que todos nós estamos caminhando para a morte. A música chama-se Last Man Standing (Último Homem de Pé) e fala um pouco sobre a finitude da vida, entre outras coisas (a frase Você conta os nomes dos desaparecidos enquanto conta o tempo é sensacional!). Esta música é sobre solidão, e é sobre o que acabei de falar, sobre ausência. Porque ter amigos é um dos antídotos contra a solidão. Ter amigos é ter bengalas para os momentos difíceis. Ter amigos é uma apólice contra a solidão! E quando perdemos um amigo, a solidão ganha uma partida e anda uma casa. Quando perdemos um amigo, a solidão joga em casa, com estádio lotado.

Mas a passagem do tempo é apenas um dos fatores geradores da solidão. Há muito mais terreno fértil para ela no mundo de hoje! O mundo está silencioso. O mundo está solitário. Estamos todos nós fechados em nosso próprio medo, cientes de nossa imensa fragilidade. Então volto à mesma questão com que comecei esta crônica: como fugir da solidão? Como fugir da tristeza? Como fugir da perplexidade? Não sei dizer com certeza. Às vezes meu coração está cheio de tristeza e solidão. Mas há antídotos! Há antídotos! Ter amigos queridos é um deles, como falei. Também perceber os pequenos milagres à nossa volta pode ajudar. Olhar ao redor e sentir algo maior que a gente. Olhar ao lado e perceber maravilhas, e perceber que fazemos parte dessas maravilhas. Ter empatia também pode ajudar. Ser mais humano pode ajudar. Ouvir coisas boas pode ajudar. Cultivar coisas boas pode ajudar. E, por fim, quando ela vier, apesar de todas as tentativas, que não nos deixemos abater. Que não nos deixemos subjugar. E que ela sirva como aprendizado. Encerro esta crônica com uma frase da escritora gaúcha Martha Medeiros: “Permita que sua solidão seja bem aproveitada, que ela não seja inútil. Não a cultive como uma doença, e sim como uma circunstância”.

Sérgio Idelano

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