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Um ensaio sobre a surdez seletiva (ou sobre nossa dificuldade de escutar os outros)

Sabem qual é uma das coisas que mais temos dificuldade hoje em dia? Ouvir os outros! Estamos cada vez mais falando de nós mesmos e cada vez escutando menos o que o outro tem a dizer. Tenho observado muito isto até entre pessoas de quem eu gosto (isto me inclui também, sou uma das pessoas de quem mais gosto). O prazer de falar de si, a pouca paciência de ouvir os outros. Mas eu atribuía este desconforto meu à minha chatice e sempre fui deixando pra lá. Até que, esta semana, lendo o ótimo Livro do Riso e do Esquecimento, de Milan Kundera, deparei-me com uma opinião do mesmo a respeito! E percebi então que eu tinha razão: não era só chatice minha. As pessoas estão assim mesmo! Quem disse foi o Kundera, não eu! Vou reproduzir o texto do livro do Kundera:
“Vocês sabem o que acontece quando duas pessoas conversam. Uma fala e a outra lhe corta a palavra: ‘é exatamente como eu, eu…’ e começa a falar de si até que a primeira consiga por sua vez cortar: ‘é exatamente como eu, eu…’. Esta frase, ‘é exatamente como eu, eu…’, parece ser um eco aprovador, uma maneira de continuar a reflexão do outro, mas é um engodo: na verdade, é uma revolta brutal contra uma violência brutal, um esforço para libertar nosso próprio ouvido da escravidão e ocupar à força o ouvido do adversário. Pois toda a vida do homem entre seus semelhantes nada mais é do que um combate para se apossar do ouvido do outro”.

Proponho então um exercício a partir de hoje: vamos tentar ouvir mais as pessoas que nos cercam, e vamos tentar falar menos de nós mesmos, ou de nossa última viagem, ou de nosso último ponto de vista sobre a situação política do Brasil. Vamos ouvir alguém próximo a nós! Mas ouvir de verdade, não apenas fazer de conta que estamos ouvindo. Escutar primeiro, e somente após isso dar nossa opinião, e então escutar novamente, e só aí falar novamente. Isto se chama diálogo! E diálogo é uma coisa muito mais legal que um monólogo! Vamos ouvir mais! O mundo está solitário. Estamos todos nós fechados em nosso próprio medo, cientes de nossa imensa fragilidade. Perceber os pequenos milagres à volta pode ajudar. Ter empatia pode ajudar. Ser mais humano pode ajudar. Ouvir coisas boas pode ajudar. Ouvir! Ouvir, como na música Gil Marley Song, do Kid Abelha: Vamos falar mais baixo/Vamos parar pra escutar uma barriga roncando, uma mamãe chorando/Vamos ouvir a noite cair/Silêncio/Vamos parar pra escutar o bum-bum do tambor, um abacateiro em flor/Vamos fugir da solidão.

Por fim, tão importante como escutar as pessoas é não julgá-las pelo que falam (ou julgar com imparcialidade). Quanta gente julgando hoje em dia! Quanta gente vomitando ódio e bobagens em suas redes sociais! Quanta gente cultuando o desamor! Quanta gente agindo com preconceito! Quanta gente que tem certeza da sua certeza! E que vomita esta certeza junto de uma saraivada de cuspe em qualquer ocasião! Quanto ódio! Tudo isso pode ser melhorado. Basta que ouçamos mais as pessoas! E transformemos o monólogo em um diálogo. Ah, pode ser com uma taça de um bom vinho ou um chopp estupidamente gelado! Nada impede…

Sérgio Idelano

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