Sou uma criança e desenho em um pedaço de papel, à sombra de uma árvore, sem qualquer compromisso com o futuro. No meu caderno, desenho castelos, uma casa de fazenda, a chuva, uma gaivota a voar no céu, quem sabe um barco navegando em um mar azul. Nas nuvens, acrescento um avião rumo ao infinito, rumo ao futuro pelo qual não me preocupo no momento! Posso sentir a vida através do momento presente, sentindo cheiros e sabores e olhando para o centro do universo. O centro do universo sou eu mesmo!
Já não sou mais uma criança! Sou um jovem e ainda sou imortal! Tenho meus amigos comigo, me amando, e encontro-me bem longe das pessoas que apenas fingem me amar. Não há futuro, apenas o presente e uma grande mesa, com alguns bons amigos bebendo de bem com a vida. O leme está sob controle, e tenho o mundo nas mãos!
Mas o menino que fui caminhou, e caminhando chegou num muro, e ali logo em frente, a esperar por ele, o futuro estava! E no futuro havia filhos, que sorriam pra mim e me mostravam a agridoce beleza da paternidade. E percebi que poucas coisas na vida valem tanto a pena quanto amar e ser amado, e que a inveja e a maldade devem ser escondidas de quem amamos. Mas o adulto que sou hoje não conseguiu fazer isso, e a maldade e coisas ruins, vez em quando, acham um espaço e entram para dentro da redoma que tentamos construir! O adulto que sou hoje percebeu que o futuro é uma astronave, que tentamos em vão pilotar, e que não tem tempo nem piedade, e nem tem hora de chegar. E, sem pedir licença, muda a nossa vida, e depois convida a rir ou chorar!
O adulto que sou hoje sabe que estamos ainda em cena, mas que não há tempo a perder, porque, afinal, nessa estrada não nos cabe conhecer ou ver o que virá. O fim dela ninguém sabe bem ao certo onde vai dar. Hoje estamos todos numa passarela, de uma aquarela, que um dia descolorirá. O adulto que sou hoje sabe que tudo acaba mesmo sempre em despedida, o que torna tão precioso cada momento em que vivemos!
Ao passo em que termino de escrever estas linhas, olho para trás e tento visualizar aquela criança que fui, desenhando despreocupada em um pedaço de papel. Gosto tanto dela e tenho tanta saudade que me dá vontade de chorar. Mas tudo bem! Ainda existe um muro à minha frente, e atrás dele ainda há futuro, e vou trilhar o caminho deste futuro, mesmo sabendo que ele é incerto e que vai, algumas vezes, me fazer chorar.
P.S. para quem não adivinhou, esta crônica foi baseada nas músicas À Sombra de Um Jatobá e Aquarela, do Toquinho
P.S. 2 Perdemos Lô Borges este mês, dias depois de eu ter finalizado esta crônica, e o mundo ficou um pouco mais triste! Minha esposa morou em Minas, e desde sempre somos aficionados pelo Clube da Esquina. Caras como Beto Guedes e Lô Borges sempre nos acompanharam, desde os tempos das fitas cassete! Tivemos oportunidade de ver essas lendas ao vivo mais de uma vez! Choramos juntos a morte dele, e minha esposa, que persistiu chorosa por vários dias, respondeu, quando eu perguntei se já não havia tido lágrimas suficientes: “É que com a morte do Lô percebi que minha adolescência finalmente ficou para trás”! Lô Borges sempre passou uma mensagem de um tempo melhor, com mais amor e com cheiro de lareira. Lô Borges sempre esteve ao nosso lado, e sempre foi nosso amigo, mesmo que ele não soubesse disso. Lô Borges se foi, e o mundo fica cada vez mais silencioso. Vá em paz, Lô! Aquela esquina vai estar sempre lá e, por sua causa, será eterna…
Sérgio Idelano