Nossa vida nada mais é do que uma viagem. Esta viagem se renova a cada dia, a cada parada, a cada porto, a cada caminho novo! Há sempre uma paisagem nova pela janela. Há sempre algo novo a se ver! Há sempre algo novo a aprender! Há sempre um novo ângulo, uma nova sombra, um novo foco! Nossa vida é somente uma viagem, e ela não acaba nunca, mesmo que às vezes precisemos recomeçá-la. O pior da morte não é a morte em si. O pior da morte é deixar de viver, e, deixando de viver, deixar para sempre lugares, paisagens, pessoas e momentos que nos são, ou nos foram, tão caros.
E se um dia, quando nossa hora chegar, tivéssemos o direito de nos despedir de 5 momentos de nossa vida? Seríamos capazes de enumerá-los? O sexo feito sem pressa em uma tarde preguiçosa com a pessoa que amamos, os lugares que conhecemos, aquele pôr do sol naquela praia deserta e uma taça de chardonnay ao lado, aquela montanha coberta de neve que você subiu e de lá descortina o mundo com o seu olhar, a sombra de um pé de manga no seu quintal, um barco varando um rio sem fim, o sol se pondo vermelho e gordo por trás de uma nuvem de chuva enquanto você mergulha sobre a onda em um mar morno, um pequeno vilarejo gelado onde os sinos nos pescoços das vacas cantavam acordes melodiosos e a paisagem dava vontade de chorar de tão bonita, as folhas vermelhas e amarelas atapetando o chão, os campos de flores multicoloridos, aquele vinho especial que invadiu seus sentidos e proporcionou uma sensação que você nunca mais sentiu, embora tenha tomado depois disso muitos outros vinhos até melhores, o crepitar de uma lareira em uma cabana escolhida ao acaso enquanto a neve caía fora da janela de vidro, o momento em que você pegou no braço pela primeira vez seus filhos, uma reunião entre amigos! Nós nunca teremos esta chance de reviver esses momentos, obviamente. Estou apenas mostrando o quanto a vida é preciosa e o quanto é feita de momentos preciosos.
E muitas vezes, existem momentos que não são nada demais, são puro cotidiano, e mesmo assim podem marcar nossa vida. Às vezes é apenas uma manhã normal, e por algum motivo, aquela manhã se tornou especial. Eu tenho um dia assim! Era uma tarde quente. Minha terra é uma terra quente. O calor está presente até nos dias frios; irradia-se, em ondas, da pele dos moradores. Saí de casa, meio a contragosto, para resolver um problema doméstico. Ao tirar o carro da garagem, olho de soslaio para o céu e vejo a mais bela tarde que já vi em toda a minha vida. O céu, todo ele, estava coberto de nuvem, como se um grande lençol tivesse sido congelado no momento em que foi jogado para cima. As nuvens, porém, não eram compactas. Era um trabalho de arte feito em crochê, estendendo-se em vários tufos de lã, interligados uns aos outros por finos fios de algodão e formando pequenos círculos no centro. O delineamento era perfeito. Em certo momento, um avião, que acabara de decolar, penetra lentamente naquele santuário. Penetrava timidamente, como se não ousasse invadir o espaço de uma maneira brusca. Pedia licença, era um amante sem pressa e sem tempo.
Ao cair da tarde, as nuvens foram matizadas de coloração rosa e alaranjada. Foi como se Renoir tivesse usado o céu para desenhar uma de suas telas, a mais bela de todas. O quadro era de um impressionismo fantástico. Não parecia real; não era real, tenho certeza disso. E eu, com o carro parado no meio-fio de uma praça perto de minha casa, esquecido de minhas obrigações, ali fiquei, sentado num banco e olhando para cima, atraindo a curiosidade de quem por lá passava. Não sei se a minha sensibilidade estava mais aguçada naquele dia ou se Deus, em toda a sua genialidade, escolheu minha cidade para um happy hour. Só sei que eu, naquele momento, assim como Saramago em uma crônica escrita muitos anos atrás, jurei para mim mesmo nunca morrer!
Sérgio Idelano