Sou casado há 35 anos com a mulher que amo. Portanto, nada a reclamar da vida neste sentido. Contudo, não deixo de refletir sobre o amor. O que, na verdade, é o amor? Qual a diferença entre amor e paixão? E qual o melhor dos dois? Segundo um grande amigo meu, filósofo de bar, a grande diferença é que na paixão a gente transa mais. É um ponto de vista interessante. Mas como nem só de sexo vive o homem, acho que o amor leva uma certa vantagem. Amar é sentir-se bem com a pessoa ao seu lado. Amar é querer ficar o resto da vida com esta pessoa, mesmo ela sendo uma chata às vezes. Amar é pensar duas vezes antes de fazer algo que possa magoar a pessoa amada, e após pensar as duas vezes não fazer. Amar é sentar junto a ela no quintal e tomar vinho em uma só taça, tentando descobrir se aquele aroma lembra frutas vermelhas e fumo. Amar é ficar angustiado quando ela está angustiada e feliz quando ela está feliz! Amar é olhar os filhos e ficar orgulhosos de termos gerado eles, mas também de pensar no que fizemos de errado e no que poderíamos ter acertado mais. Amar é tantas coisas! O amor transparece, mesmo quando não sabemos demonstrá-lo.
Tenho, portanto, o amor de minha vida, e com ela pretendo encerrar meus dias. Mas, e se as coisas acontecerem de outra maneira? E se nosso destino não for envelhecer junto? E se os planos do universo mudarem? Bom, neste caso, já resolvi. Vou cultivar um amor platônico. Platônico de verdade, daqueles que nunca vou declarar a ninguém. Ficarei quietinho no meu canto, sofrendo aquele sofrimento gostoso de quem não está sofrendo tanto assim. Escolherei a minha garotinha ruiva. Para quem não lembra, ou não sabe, a garotinha ruiva era o grande amor da vida do Charlie Brown, aquele das tirinhas do Snoopy. Ele pensava nela o tempo todo. Sofria por ela. Filosofava o seu amor por ela. Havia sempre aquela mágica no ar, a mágica das paixões unilaterais, a mágica das paixões impossíveis. Arrisco-me a dizer que ele adorava isso. Arrisco-me a dizer que um beijo da garotinha ruiva acabaria com toda a magia, e o deixaria infeliz.
Pois é assim que vou querer meu amor platônico. Ficarei pensando em minha garotinha ruiva (que nem precisa ser ruiva de fato) o resto de minha vida. Envelhecerei com estilo, com olheiras de quem tem histórias a contar. Olheiras de quem passou pela vida, amou e sofreu. De quem está sereno, com toda sua bagagem de vida e de dores. Assim vou querer meu amor. Necessidades sexuais? Saciá-los-ia com as outras, nunca com minha garotinha ruiva. Só ela teria meu amor. As outras, apenas minhas secreções e um pouco de minha angústia. Iria para a cama com outras, mas dormiria pensando em minha garotinha ruiva. E se um dia ela olhasse para mim com outros olhos, se ela sorrisse para mim ou, pior ainda, se ela ousasse me amar, eu a tiraria da cabeça, guardando em meu coração apenas a lembrança daquelas tardes de chuva em que eu, sentado no terraço, sofria por ela.
P.S esta crônica sem pé nem cabeça é apenas uma conversa tola sobre o amor, seja este correspondido ou unilateral, platônico ou real. É para dizer também que muito pior do que sofrer por amor é não amar! Por fim, é para dizer que o amor e a paixão são inerentes ao ser humano e que este fato sempre será nossa glória e nossa perdição (quem de nós nunca se apaixonou?). Mas, ciente de que o amor sempre deve existir, em qualquer forma ou contexto, encerro esta tola crônica com a letra da música Como Dizia o Poeta, de Toquinho e Vinícius:
Quem já passou por essa vida e não viveu,
Pode ser mais mas sabe menos do que eu.
Porque a vida só se dá pra quem se deu,
Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu.
Quem nunca curtiu uma paixão
Nunca vai ter nada, não.
Não há mal pior do que a descrença,
Mesmo o amor que não compensa
É melhor que a solidão.
Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair.
Pra que somar se a gente pode dividir.
Eu francamente já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer.
Ai de quem não rasga o coração,
Esse não vai ter perdão.
Quem nunca curtiu uma paixão,
Nunca vai ter nada, não.
Sérgio Idelano