A reta é a menor distância entre dois pontos (há outras questões envolvidas aqui, mas vamos aceitar esta definição). Já a espiral é uma linha curva que, sem se fechar, vai dando voltas em torno de um ponto, afastando-se dele de forma progressiva e regular. Vamos supor que alguém percorre a distância entre o ponto A e B através de uma reta, e outro a percorre através de uma espiral. Os dois podem chegar lá no ponto B, mas não restam dúvidas que a pessoa que usou a reta terá menos trabalho do que a pessoa que foi pela espiral. E toda essa prosopopéia matemática é para dizer que os caminhos de algumas pessoas são mais difíceis do que os de outras, e isso tem que ser levado em conta!
Eu sempre peguei a linha reta durante toda a minha vida. Filho de pais médicos, classe média alta, sempre estudei em bons colégios e sempre fui um estudante profissional! Ou seja, minha única obrigação na vida era estudar! O famoso “filhinho de papai”! Até pegava ônibus para voltar do colégio, quando não conseguia carona ou meus pais não podiam me pegar, mas meu suor ficava por aí! Voltava para a minha casa confortável, onde tinha um almoço substancial me esperando. Havia também meu quarto confortável, com cama, lugar de estudar e um enorme quintal cheio de árvores, caso eu decidisse estudar em algum lugar diferente. Quando ia para a balada, tinha sempre um carro à minha disposição, e isso muito antes de eu ter idade legal para dirigir! Ah! E não posso esquecer a mesada! Apesar de todos esses luxos, eu tinha uma mesada semanal para poder curtir a saída com os amigos, levar uma namoradinha para sair, fazer minhas farras, etc.
Agora vamos tirar o foco desse burguesinho mimado e colocar a luz sobre outra pessoa: meu cunhado Flávio, por exemplo! Flávio é meu vizinho, médico renomado e casado com a irmã da minha esposa. Chegamos num patamar confortável de vida, mas quero falar da trajetória. O Flávio não pegou uma reta! Ele pegou inúmeras espirais na sua estrada! Filho de um vaqueiro e de uma dona de casa, Flávio nasceu nas brenhas de Juazeiro do Piauí! Apesar de ser um homem simples, seu pai sempre procurou dar o melhor de si para os filhos, e colocou todos para estudar em escola pública. Flávio viveu uma vida estudantil dura e de muito suor. Como se destacou nos estudos, os pais fizeram das tripas coração e colocaram-no para terminar o ensino médio numa escola particular (venderam algum gadinho que tinham, fizeram alguma economia). Flávio conseguiu terminar o ensino médio, fez vestibular, passou em medicina e terminou seu curso universitário, sempre com muito suor, lágrimas e dificuldades. Conta que quando começou a fazer residência, pegou seu primeiro salário e correu para uma loja para comprar um relógio, que foi um luxo que ele sempre quis ter!
Agora, peguemos esses dois exemplos e me respondam: quem de nós dois merece ser mais louvado por chegar onde chegou? Quem mereceu mais seu lugar ao sol? Quem mereceu mais pertencer à casta dos privilegiados? Ele, claro! Ele venceu seus obstáculos com resignação e coragem. Às vezes durante a vida arrumamos desculpas para nossa própria incapacidade de lidar com os obstáculos e esquecemos que na maior parte das vezes nossa alegria e sucesso dependem apenas de nós mesmos. Os outros são os outros, estão vivendo suas próprias vidas e vencendo (ou tropeçando nos) seus próprios obstáculos. Nós somos os responsáveis por nosso próprio caminho. Se a vida te coloca num caminho difícil, é possível sim percorrê-lo! Isso foi o que o Flávio me mostrou. Eu, como se viu acima, não tenho moral de opinar sobre isso!
A vida em estado bruto está repleta de dificuldades, decepções e lágrimas. Mas também, e isto é importante, está repleta de oportunidades, alegrias e superação. E o segredo do sucesso, segundo a escala Flávio, é aproveitar o que a vida nos oferece e usar as dificuldades como degraus para um futuro melhor. Todos tentamos subir na vida e tentamos galgar degraus, afinal os degraus nos levam para o alto! O que é importante, se você é uma pessoa de espiral, é nunca esquecer suas origens, nunca esquecer de onde veio. É lá no começo que está a nossa essência, a centelha de tudo o que somos. É lá que está a matéria original, mesmo que tenhamos modificado tanto esta matéria que não nos reconheçamos mais.
Encerro esta crônica, depois de ser tão duro comigo mesmo, dizendo que apesar de tudo sempre procurei ser uma pessoa boa e correta. E sempre procurei passar aos meus filhos boas sementes. Culpa de ter nascido em um berço de ouro eu não tenho. Mas tenho a obrigação de procurar ser uma pessoa grata e consciente do quanto sou um cara de sorte! E dizer também que fã mesmo eu sou é dos inúmeros Flávios com quem convivi durante toda minha vida (principalmente durante o meu curso de Agronomia). É a eles que deve pertencer o lugar ao sol!
Sérgio Idelano
